Escrito por: Cleomar Almeida e Eduardo Pinheiro – Jornal O Popular
Especialistas reforçam que, com a ajuda do poder público, adolescentes infratores podem ser resgatados.
André (nome fictício), então com 9 anos, na casa da família: último registro antes de ser encaminhado a abrigo por ordem judicial
(Foto: Cristina Cabral/O popular)
O menino de 10 anos que aterrorizou parte de Goiânia e teve mais de 20 ocorrências por ter feito arrastões em terminais de ônibus, roubos, furtos e entrega de drogas, começa a romper de vez o contato com os criminosos da capital após ser colocado em um abrigo, por ordem judicial. André (nome fictício) passou a ter acompanhamento depois de sua história ser revelada com exclusividade pelo POPULAR e, para especialistas, o caso dele mostra que existe saída para os recrutados precocemente pela criminalidade, se houver apoio do poder público. Só no ano passado, no entanto, a Polícia Civil instaurou 2,3 mil investigações para apurar atos infracionais cometidos por adolescentes na capital.
André foi colocado pela primeira vez em um abrigo por determinação da juíza Monica Neves Soares Gioia, do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia (JIJ), logo depois de o caso dele ser revelado pelo POPULAR em 25 de agosto do ano passado. Faltou pouco para ele não atingir a adolescência batizado como infrator. Roubos e tráfico de drogas, que eram a principal atração do menino, ainda são os atos infracionais cometidos com mais frequência por adolescentes entre 12 e 17 anos em Goiânia. Juntos, representam cerca de 50% dos casos de cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade.
Os dados preliminares são do Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência da Universidade Federal de Goiás (UFG). Os crimes graves cometidos por adolescentes goianienses, como homicídios, chegam a 2,5%, número abaixo da média nacional (8,39%), de acordo com levantamento feita pela nota técnica O Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A nota traça um perfil do jovem infrator no Brasil, no intuito de contribuir com as discussões que ocorrem em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993 – que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. No caso de Goiânia, a grande maioria vem de famílias com renda abaixo de três salários mínimos e tem cor de pele não branca (pardos ou negros), além de quase 95% não estarem matriculados em escolas, em qualquer tipo de cursos profissionalizante, ou no mercado de trabalho.
Punição
Segundo a delegada Tereza Daniela Nunes Ferreira Magri, titular da Delegacia de Apuração de Atos Infracionais (Depai), os jovens que acabam sendo presos em Goiânia, em sua grande maioria, vêm de famílias mais humildes e com histórico de abuso de drogas e/ou envolvimento com o narcotráfico. Além disso, a reincidência acaba sendo comum, já que retornam para o mesmo ambiente que saíram. “A delegacia também recebe jovens de classe média e alta, mas eles são melhor munidos com advogados e poucos são punidos”, diz.
A diferença na punição mostra a face da desigualdade social no sistema judiciário. O relatório do Ipea aponta que os jovens oriundos de famílias mais abastadas se envolvem também com drogas, uso de armas, gangues, atropelamentos, apedrejamentos etc. No entanto, possuem mais recursos para se defenderem, sendo mais raro terminarem sentenciados em unidades de privação de liberdade.
Para o pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre Criminalidade e Violência da UFG, Dione Antônio de Carvalho, essa diferença acaba produzindo distorção. Segundo ele, a punição de jovens que cometem atos infracionais no Brasil é alta, mas apenas para os que possuem renda mais baixa e pouco ou nenhum acesso à Justiça. A mãe de André sentiu na pele o medo de perder o filho por causa da falta de condição para pagar por ajuda. “Pensava que não iria dar conta de salvar meu filho. Agora sinto alívio por saber que posso deitar e que, no outro dia, vou encontrar meu filho vivo”, afirma.