Falar sobre a história, digamos, oficial de Catalão é um bocado “arriscoso”, como diria o poeta. Nosso passado um tanto tenebroso e impreciso é marcado por cicatrizes profundas e trieiros rasos, sinuosos e não muito claros na estrada do tempo e dos fatos.
Por isso, prefiro falar da Catalão dos fatos mascados e digeridos pela boca do povo. Prefiro falar da Catalão que abraçou a minha história e a conduziu por essas vias apaixonantes de nossa cidade.
Uma dessas vias em questão levou-me ao sóbrio Morro das Três Cruzes, que insistiu e sobreviveu, apesar de ofuscado pela história encantadora do Morro da Saudade. O Morro das Três Cruzes, como o próprio nome indica, possuía 03 cruzes em seu cume, lembrando a crucificação de Jesus Cristo, no Monte do Gólgota.
O que o povo conta sobre o referido local não é algo muito agradável!
Perdura no seio do povo que o morro era considerado cemitério de anjos, ou seja, as crianças natimortas era enterradas ali, sem alguma cerimônia religiosa, sem algum critério, visto que, segundo a tradição católica, todos nós nascemos com o pecado original, herança de Adão e Eva, quando expulsos do Paraíso.
Em se tratando de religiosidade, outra marca indelével do local eram as constantes procissões que o povo fazia em época de estio, munido de vasilhas cheias de água, com o intuito de “aguar a cruz”, pedindo pela chuva que enzonava por outras bandas.
Passado o tempo, e por força do progresso, na década de 1970, fizeram terraplanagem no morro e construíram sobre ele o terminal rodoviário do município, que se manteve em atividade ali até os anos 2000. Lembro-me que durante as obras do terminal, ainda menino, eu e outros amiguinhos pegávamos pedaços de papelão e descíamos morro a baixo, surfando sobre a terra solta pelas máquinas.
Meu amado pai, Consolines Paz, popularmente conhecido pelo apelido de Tosa, por encomenda do prefeito em exercício, o saudoso Sr. Divano Elias da Silva, construiu 3 enormes cruzes de ferro revestidas de vidro que traziam em seu interior várias lâmpadas que davam seu espetáculo de luz quando a noite caía. Essas cruzes prestaram seu serviço de substituição às cruzes de madeira derrubadas durante a construção da rodoviária, até o dia em que uma ventania muito forte derrubou a maior das cruzes. Segundo a fala do povo, foi um sinal do céu para que voltassem as cruzes de madeira.
Hoje, praticamente nada existe do Morro das Três Cruzes, a não ser a encosta rebaixada por detrás da Vila Raulina. No lugar do terminal foi construída uma bela estrutura de alvenaria batizada de Centro Cultural Labibe Faiad, onde vários cursos são ministrados para a população, no intuito de se encaminharem para o mercado de trabalho pulsante de agora.
É o progresso engolindo os feitios de nosso povo e as feições de nossa Catalão tão amada.
O artigo foi escrito por Paulo Pazz, Professor da rede estadual e Membro da Academia Catalana de Letras (ACL).