Quem observa a Velha Matriz, com sua porta de entrada voltada para o bairro Santo Antonio, e de costas para o centro da cidade, deve imaginar que o construtor desconhecia ou não gostava de Catalão.
Puro engano. João de Cerqueira Netto, o responsável pela sua edificação, gostava tanto de Catalão que foi o seu primeiro intendente municipal. Além do que, foi o patriarca dos Netto, família que sempre participou das decisões administrativas e políticas regionais.
O fato é que, desde a planta arquitetônica da igreja, o portal da Velha Matriz foi estrategicamente direcionado para o núcleo principal da população catalana. Quando começou a ser construída, em meados do século XIX, o centro econômico, demográfico e social da cidade estava na Rua da Grota, que não era propriamente uma rua, mas um conglomerado de casas e ranchos de capim, plantado nas imediações da fazenda Córrego do Almoço.
As vendas, armazéns de secos e molhados, oficinas, selarias, pensões e barbearias haviam se instalado à margem esquerda jusante do Pirapitinga, onde existiam profundas grotas que davam no córrego.
Assim, o burburinho e a movimentação diária dos moradores eram comuns na Rua da Grota. Ali residiu o velho Roque Alves de Azevedo, primeiro coronel da política catalana. Ali era, de fato, a principal porta de entrada e saída da cidade.
Do Córrego do Almoço, de um lado, despontava a estradinha para Goiandira e, do outro, o acesso à região de Olhos D’água, Pedra Branca e Minas Gerais.
Ainda no século XIX, algumas famílias levantaram casarões mais afastados da Rua da Grota, cercando verdadeiras chácaras ou erguendo sobrados onde hoje está o centro de Catalão.
Paranhos, Ayres, Costa, Estrela, Andrade, Gomide, Victor Rodrigues, Campos e Netto, além de outros troncos familiares, preferiram residir em locais distanciados da Rua da Grota, ocupando a porção setentrional do ribeirão Pirapitinga. A cadeia pública, por exemplo, que fora edificada em local antes isolado, ganhou nova vizinhança e belas residências em suas proximidades.
O movimento de ocupação urbana continuou com a chegada dos imigrantes estrangeiros no começo do século passado. Nasceu a Rua do Comércio, atual 20 de Agosto, e a configuração espacial tomou outro aspecto, pois, dezenas de novas residências foram erguidas onde hoje se encontra o centro da cidade.
Desse modo, desde as primeiras décadas do século passado, a Rua da Grota foi perdendo o seu antigo vigor comercial.
Mas, tornou-se um bairro industrial. Com a implantação de charqueadas, curtumes, frigorifico e matadouros, o local recebeu famílias de operários da indústria, principalmente de Minas Gerais, atraídos pelos novos empreendimentos.
Foi quando, do outro lado do córrego Pirapitinga, nasceu o bairro Pio Gomes, acomodando grande parcela de trabalhadores das indústrias nascentes e avançando suas casas pelas ruas do cemitério municipal.
Foi quando houve a vagarosa ocupação, acima dos trilhos, dos bairros Marca Tempo e Santa Terezinha à sombra das Três Cruzes.
A partir da década de 1940, com o auge da produção açucareira da Usina Martins, o antigo bairro das Mangueiras também recebeu um aporte considerável de famílias de trabalhadores. Diariamente os caminhões da usina buscavam mão de obra nas proximidades.
Com esse traçado e configuração, as áreas do centro e do sul do mapa urbano de Catalão ficaram praticamente delimitadas. O comércio vigorando na parte central da cidade e as agroindústrias da carne e da cana remodelando o espaço demográfico da faixa meridional.
Todavia, após a metade do século passado, a estagnação econômica alcançou a economia de Catalão. A maior parte das empresas agroindustriais fecharam as portas e vários imigrantes se mudaram para Anápolis e para a nova capital de Goiás.
As rodovias substituíram as ferrgovias e a antiga região da estrada de ferro entrou em colapso. Somente bem depois, com a vinda das mineradoras para Catalão, nas décadas de 1970 e 1980, a cidade obteve um novo alento econômico e social.
Ressalte-se que, essa estagnação econômica não alcançou o bairro São João que, vagarosamente ganhava vida própria, independentemente das empresas sediadas na cidade.
O São João teve uma trajetória muito particular. Sempre esteve voltado para a zona rural. Sempre foi o verdadeiro Catalão para os moradores da Custódia, Cisterna, Coqueiros, Mata Preta, Macaúba, Chapadão, Pires Belo e adjacências. O comércio do bairro expandiu em função da demanda rural.
Desde a antiga fazenda Saudade, de Jocelyn Gomes Pires, que doou o terreno do morro da Saudade para a igreja católica, desde a instalação do posto de combustíveis, pela família Duarte à sombra do morrinho, desde os primeiros comerciantes e o alto falante do Seu Rola, desde a criação da rodoviária com o nome do prefeito Cyro Netto, o setor foi se expandindo com moradores da zona rural, adquirindo certa independência econômica.
Até então, a cidade era limitada pela BR-050. Quase nada existia do outro lado da rodovia. A parte habitada mais longínqua era a Boca da Onça, bairro que nasceu em função dos ferroviários e operários que abriram a estrada de ferro da Rede Mineira de Viação.
Cada um dos locais aqui citados carrega uma tradição própria e inteiramente singular. Mas, no todo, compõem a fascinante história da cidade de Catalão.
Artigo escrito por Luiz Estavam – Formado em Jornalismo/Faculdade Hélio Alonso-RJ – Economia pela PUC concluindo Mestrado e Doutorado na Unicamp-SP – Professor aposentado da PUC Goiás. Atualmente ele é presidente da Academia Catalana de Letras (ACL) e se dedica a pesquisar, na memória da cidade de Catalão, os fatos mais relevantes da formação antiga e contemporânea do município. Luiz Estevam é autor de várias obras, dentre elas, sua mais recente é o livro “Catalão Fragmentos do Passado”.
APOIO:
Publicado por: Badiinho Filho