Escrito por: Fernanda Borges/Fonte: G1.com
A Polícia Civil apresentou ontem, sexta-feira (15), em Goiânia, quatro homens presos suspeitos de integrar uma quadrilha especializada em furto de gado. De acordo com a investigação, eles se apropriaram de mais de 1,3 mil animais e equipamentos em quatro fazendas do estado, com prejuízos somados que passam dos R$ 5 milhões. Além disso, o grupo é investigado por crimes semelhantes em Minas Gerais e Mato Grosso.
De acordo com o delegado Glaydson Carvalho, do Grupo de Repressão a Crimes Rurais e de Divisas (GRCRD), a investigação começou em novembro do ano passado, quando os suspeitos furtaram cerca de 500 cabeças de gado de uma fazenda em Montividiu do Norte, na região norte do estado. Ao perceber que tinha sido vítima, o dono dos animais, José Marcelino Pereira, de 57 anos, sofreu um infarto e morreu.
“Os suspeitos foram até a fazenda dele dizendo que tinham interesse em comprar o gado. Eles fizeram uma negociação de boca e, após pegar confiança dos funcionários, foram até o local em um dia em que o dono não estava e retiraram os animais em caminhões. O dono passou um tempo tentando receber o dinheiro pela tal venda, mas, quando percebeu que tinha sido furtado, teve um mal súbito, seguido de um infarto, e não resistiu”, relatou.
Segundo Carvalho, os suspeitos chegaram a passar um cheque no valor de R$ 828 mil para José Marcelino, mas o documento era roubado. “Quando a vítima tentou sacar esse dinheiro, teve a notícia de que o cheque era roubado e entrou em desespero. Aí, além do prejuízo com o furto, ainda passou mal e acabou morrendo”.
Além da fazenda em Montividiu do Norte, o grupo também é suspeito de roubar 180 cabeças de gado de uma propriedade em Corumbaíba, cerca de 700 em Santa Cruz de Goiás, além de mais animais e tratores de outra fazenda em Campo Alegre de Goiás.
Furtos
O investigador explica que os quatro presos, que foram capturados na última quarta-feira (20), durante a Operação Porteira Fechada, tinham posições diferentes no esquema. Antônio Gonçalves de Almeida, de 47 anos, e Antônio Barcelos Júnior, de 39, eram os responsáveis por ir até as fazendas e convencer as vítimas sobre uma suposta negociação de venda do gado ou das terras. “Eles eram os cabeças da organização criminosa”, disse Carvalho.
Depois disso, Elivaldo Cardoso da Silva, de 57 anos, ia até a propriedade alvo e dizia aos funcionários que a venda das terras ou dos animais havia sido acertada e dispensava a todos. Assim, o gado era retirado por meio de caminhões, normalmente durante a madrugada, e levado para uma fazenda em Santa Cruz de Goiás.
Em seguida, o grupo repassava os animais para Ivan Pires, de 59 anos, que era o responsável por dar diversas destinações ao gado. “Os levantamentos feitos até agora apontam que as reses eram entregues ao Ivan, que é negociador de gado e proprietário de um antigo leilão, em Catalão, que se encarregada de vender os animais para outros fazendeiros ou mesmo para serem abatidos”, explicou o delegado.
Carvalho ressaltou, ainda, que os suspeitos só foram identificados depois que os caminhoneiros que fizeram o transporte do gado da fazenda em Montividiu do Norte colaboraram com as investigações. “A partir daí, identificamos a fazenda para onde os animais tinham sido levados e, depois, as pessoas envolvidas neste esquema. Tudo indica que eles agiam há bastante tempo e, aos poucos, as vítimas estão surgindo. Já identificamos quatro, mas outras vão surgir”.
A polícia descobriu que os quatro suspeitos têm muitos bens e solicitou o bloqueio deste patrimônio para que as vítimas sejam ressarcidas. “Eles têm muitos imóveis, fazendas, carros. Fizemos a solicitação de bloqueio desses itens e de contas bancárias. Além disso, os quatro tiveram a prisão temporária, de 10 dias, expedida e já solicitei que ela seja revertida em preventiva”, ressaltou Carvalho.
Durante a apresentação do caso na delegacia, Antônio Barcelos Júnior, que já tem passagens na polícia por roubo de cargas e a banco, negou as acusações e disse que fez uma negociação com o dono da fazenda em Montividiu do Norte.
“Eu estou preso aqui porque comprei uma coisa e não deu certo de pagar, pois a pessoa morreu. Eu negociei com o dono da fazenda, mas a filha dele queria receber uma quantia a mais, mas não deu certo a negociação para pagar. Fiquei com o gado e ninguém me procurou para receber. Eu estou disposto a pagar”, disse o suspeito, que negou ter repassado um cheque para José Marcelino.
Ivan Pires, suspeito de receber e revender os animais, que já tem passagem por homicídio, também disse que é inocente. “Eu simplesmente comprei o gado do Antônio [Barcelos]. Não tenho nada a ver com o negócio deles. Comprei, paguei e tenho a nota fiscal”, afirmou.
Os outros dois suspeitos preferiram não se pronunciar sobre as acusações.
O delegado explicou que Antônio Gonçalves, Antônio Barcelos e Elivaldo Cardoso da Silva foram indiciados por furto qualificado, estelionato e associação criminosa. Ivan Pires responderá por receptação e associação criminosa.
Prejuízos, morte e dívidas
A ex-esposa de José Marcelino, que é a dona das terras onde ele criava o gado, que prefere não se identificar, conta que não teve conhecimento sobre quem eram as pessoas com quem o marido fazia a negociação dos animais.
“Eu e ele estávamos separados há seis anos, mas mantínhamos contato. Eu herdei a fazenda em Montividiu e o meu ex-marido criava o gado lá. Ele me ligou e disse que estava interessado em vender os animais e perguntou se eu também queria vender as terras. Eu disse que sim e que ele podia negociar tudo”, explicou.
Segundo ela, nenhum contrato chegou a ser firmado com os suspeitos. “Sei que eles estiveram na fazenda e que estavam em negociação pelo gado, mas só isso. Porém, em novembro do ano passado, um caseiro vizinho estranhou a retirada dos animais durante a madrugada e avisou ao Zé [José Marcelino], que não sabia de nada. Ele ficou nervoso, ligou para os suspeitos, que disseram que em breve fariam o pagamento, mas nada”, contou.
Cerca de um mês depois, quando percebeu que os supostos compradores não iriam pagar pelo gado, José Marcelino decidiu que iria atrás do grupo. “Ele estava muito nervoso com essa situação, aí a pressão subiu e ele sofreu um infarto”, afirmou a ex-esposa.
A mulher conta que, além da dor pela morte do ex-marido, a família passou a ser ameaçada pelos suspeitos. “Eles ligavam para a minha filha e diziam que iriam pegar as terras, já que elas também tinham sido negociadas com o Zé. Só que eu bati o pé e disse que não, já que eu sou a dona e não assinei nada. Ficamos com muito medo de tudo e pedimos ajuda à polícia”.
A filha da vítima, que também não quer se identificar, relatou que ela e outros parentes passaram a investigar o grupo e descobriram que o gado furtado de José Marcelino estava na fazenda em Santa Cruz de Goiás.
“Foi lá que encontramos um dos caminhoneiros que tinha feito a retirada dos animais. Primeiro ele negou envolvimento no caso, mas depois confirmou e, a partir daí, a polícia conseguiu identificar os responsáveis. Eles têm que pagar, pois, além do furto, também foram responsáveis pela morte do meu pai e ainda nos causam transtornos, já que sem os animais temos mais de R$ 400 mil em dívidas junto a um banco”, lamentou a jovem.